RUI DIAS SIMÃO
( Portugal )
Rui Dias Simão nasceu em Ferreiras, Albufeira, e mora em Conceição de Tavira desde criança.
Estudou em Tavira e cursou Línguas e Literaturas na Universidade dos Açores, em Ponta Delgada.
Trabalhou em bares e restaurantes, lecionou em Rabo de Peixe e em Vila Real de Santo António, foi pescador e mariscador, passeou turistas no seu mítico barco de madeira, Hipantropias.
Durante a juventude colaborou no DN Jovem (Diário de Notícias). Poeta e artista plástico dedica-se hoje, fundamentalmente, a essas duas artes.
Publicou três livros de poesia. Em 2012, foi um dos poetas selecionados para integrar a antologia Algarve 12 Poetas a Sul do Século XXI, publicada com o apoio do Ministério da Cultura.
Expôs pinturas, desenhos e esculturas nos mais diversos espaços.
A sua obra, poesia e arte plástica, encontra-se espalhada pelo mundo e os seus poemas têm sido adaptados ao teatro e à arte performativa. Os seus trabalhos encontram-se ainda publicados em revistas e jornais literários e tem participado em encontros de artistas em Portugal e Andaluzia.
Biografia:
https://www.wook.pt/livro/os-animais-da-cabeca-rui-dias-simao
SULSCRITO 3 junho 2010. SULSCRITO antologia da indiferença [Tavira, Portugal: 4águas editora] 87 p.
ISSN 1646-7744 . Ex. bibl. Antonio Miranda
TELEFONA-ME MÃE
Ainda não sei bem porque não hiberno nestas
noites tristes d inverno
olho para a televisão e estou numa loja de gravatas fúteis
tenho nas mãos vazias várias facas para
cada cinismo para cada face engraxada na
banalidade das carcomidas palavras carcomidas
telefona-me Mãe!
Fala-me dos griséus das alfaces e das couves
também do ritmo lunar dos pintainhos no entretanto
da conversa das oliveiras por apanhar
fala-me da dança verde dos caracóis e
dos netos a perseguirem o gato preto pois
já não há papoilas para brincar ao sol das flores
telefona-me Mãe!
Atirei um galo de barro ao ecrã ruidoso da merda da televisão
acertei numa fátina qualquer (há sempre um fátina qualquer
a azucrinar-nos a cachimónia)
mas de qualquer forma
telefona-me Mãe!
Comprei um par de sapatos novos
Não sei como nem porquê mas regresso
assiduamente à derriça que me envolve
o corpo, este corpo de lama, que sempre
fecha as portas ao silêncio vivo.
Não sei como nem porquê, entrei numa
casa e trouxe uns novos sapatos novos.
Este grito lunissolar que me apaga
os olhos, resmunga nos espaços entreabertos
e moribunda o caminho que adivinharia
a simplicidade interior.
Não sei ainda dizer adeus às flores mortas,
aos rios apagados, à veredas cansadas,
aos labirínticos dizeres das pessoas
dos outros.
Mas existe , existe algum lume
para dizer mais do que esta página
riscada pelo avançar da noite, quase
rosnando para a quimera da falta
dos espaços planetários
de mim?
Não sei como nem porquê mas
regresso de muito em vez à sombra
dos lugares que me apagam a pele.
Onde estás tu, ó amplexo fantástico
das vozes luminosas — tal qual —
pois não sei como nem porquê mas
já se percebe o estiolamento prematuro
deste animal num fogo diurno
dos seus aparentes dias azuis.
Comprei uns sapatos novos.
*
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Página publicada em abril de 2023
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